13 julho 2005

O banho no Rio Jaguaribe

Postagem de Referência: Não se apaga da lembrança



O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta por onde escorre e se perde o sangue do Ceará. O mar não se tinge de vermelho porque o sangue do Ceará é azul ... (Demócrito Rocha)

Nove horas da manhã, esse era o horário mais comum.
Já na porta da rua , de corpo fora, saindo, estratégia para não ter que dá mais explicações, porque apesar de morar bem próximo ao Rio, minha não me liberava fácil, tinha medo que os pivetes maiores me afogasse nas brincadeiras, o grito ecoava dentro da casa:
_ Mãeeee!, tou indo pra o riiiio!
Esperava um pouquinho para ouvir a resposta, quase sempre deixava, mas tinha medo, afinal era o filho mais novo e tinha que ter zelo.
Tudo certinho, liberado, seguia o meu destino, alegre que nem pinto em monturo(1), magrinho, cabeçudo, cabelos corridos, corria por trás das casas da Vila São Vicente, o único obstáculo era a cerca de arame no curral do seu Froton. Mas a cerca não era problema, porque ali era uma passagem que dava acesso para quem se dirigia ao Rio, e para passar a cerca, os engenheiros sertanejos inventaram o “passadiço”, que eram tocos (geralmente de carnaúba) fincados no chão em forma de degrau nos dois lados da cerca, e dessa forma, tornava-se fácil transpor a cerca rapidinho, as vezes nem precisava utilizar dessa engenharia, baixava um fio de arame, rasgava as costas no farpado e atravessava do mesmo jeito.
Passou a cerca, pronto! A frente o Rio e sua paisagem fenomenal, suas vazantes, com plantações de feijão, as moitas e os seus preás, os sítios na outra margem e um imenso banco de areia, que te convidava a correr, a pular, a se jogar nela, sem limites, sem dor, sem medo, porque se existe uma sensação de liberdade, essa era uma: correr descalço pela a areia branca daquele Rio, sentir o vento batendo na sua face e pular como louco naquelas águas.
Não posso omitir a lendária figura das lavadeiras e seus painéis de roupas a corar. Protegidas por farrapos, chapéus ou tocas na cabeça, sentadas as margens, com cassetetes e sabão a mão, eram verdadeiras máquinas, rapidamente lavavam suas trouxas de roupas entre risadas, brincadeiras e fofocas.
As águas do Rio eram rasas e claras, a criançada podia brincar a vontade, poucos eram os pontos mais profundos, podia-se atravessar tranqüilamente para a outra margem. E nessas águas mansas, incansáveis eram os mergulhos, as tainhas(2) e com um certo tempo, desafiando o medo, o salto-mortal de cima da estiva(3). E assim o tempo passava, docemente passava, até a hora do almoço, hora de retornar para casa. E assim o tempo passou, e agora estou aqui, lembrando desse tempo e mergulhando nesse passado.

lavadeiras



Estiva (Ao fundo a Igreja Matriz da cidade de São João do Jaguaribe)

Conheça mais sobre o Rio Jaguaribe

1. Monturo: local onde se deposita lixo;
2. Tainha: na verdade tainha é um peixe, mas a tainha que me refiro, era saltar e cair de bico na água; 3. Estiva: ponte de madeira que liga as margens do Rio.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ehhhh cearense, que palavras tão lindas!!!
É bom lembrar o passado, trazer a memória coisas que nos fizeram ser quem somos hoje, nossos valores, nossos conceitos, tudo isso e mais um pouco vem da infância, tenha sido ela um mar de rosas ou um rio barrento... que importa!
O que importa é que tenhamos tirado boas lições desse passado que não queremos perder de vista.

Anônimo disse...

Emanuel,fiquei emocionada ao deparar-me com essas paisagens tão lindas da nossa terra.Elas trazem lindas recordações de minha infância e adolescência, pois como morava do outro lado do rio,adorava passar na "estiva" e sentir o cheirinho das roupas das lavadeiras.Ah, que saudades!!!
Bom mesmo, era ficar embaixo da estiva! rsss